Está havendo neste momento um curto-circuito na vida pública do Brasil. Sempre se pode dizer que essa é uma situação mais ou menos permanente entre os nossos tomadores de decisão, mas o que se pode ver agora é uma paralisia progressiva do Estado brasileiro, em seu conjunto, para lidar com o crime — uma sala de espera para a entrada na UTI, onde são tratados casos de falência múltipla da capacidade de governar. Não é só o Executivo. É tudo junto: não conseguem gerir a máquina estatal com índices mínimos de coerência, na questão criminal, nem o Senado nem a Câmara, o Judiciário de alto a baixo, o Ministério Público, também de alto a baixo, os governadores, os prefeitos e quem mais tiver alguma responsabilidade na criação e na execução das leis dentro do território nacional. Um pedaço desse território, aliás, foi fisicamente invadido por bandos munidos de armamento pesado e não faz mais parte, na prática, da República Federativa do Brasil. É o ex-estado do Rio de Janeiro. Tornou-se uma área declarada independente pelos criminosos e por seus sistemas de apoio na sociedade; não tem mais governo. O governador, um cidadão que se deixa chamar de “Pezão”, sumiu. A Assembleia Legislativa e a Câmara de Vereadores são pouco mais que uma reserva biológica de ladrões do Erário, em que ninguém pode mexer ou entrar. Nem o Exército brasileiro pode retomar o território invadido: foi despachado para o Rio, mas seus oficiais e soldados são proibidos pela lei de atirar no inimigo. É como se estivessem numa área indígena demarcada e autônoma, onde nenhuma autoridade tem licença para fazer nada e os habitantes desfrutam de direitos extraterritoriais. Os Três Poderes olham de boca aberta para essa aberração toda — e insistem em vetar qualquer ideia capaz de restabelecer a razão na segunda maior cidade do país.
O veto vem do pânico descontrolado por parte do governo, do Congresso, dos supremos tribunais de Justiça e do restante do sistema judiciário diante do mínimo risco de que o combate ao crime possa ferir os direitos civis previstos em nossa Constituição. Mas a Constituição brasileira não está em vigor no Rio de Janeiro. Foi abolida pelos bandidos, e o Estado não tem como garantir aos cidadãos os seus direitos mais elementares — direito à vida, à propriedade, à liberdade de ir e vir e todos os outros que o crime cassou. Se nem o Exército está autorizado a enfrentar os criminosos, o que o homem comum, que não tem carro blindado, não se desloca em helicópteros nem mora em fortalezas defendidas por seguranças, pode fazer em sua defesa? As autoridades não sabem. Só sabem uma coisa, com absoluta certeza: os direitos humanos, ou de qualquer tipo, dos bandidos são sagrados. Aí não se pode mexer. É lógico que não admitam o desrespeito às leis vigentes, transformadas ao longo dos anos num sistema praticamente invencível de proteção aos direitos de quem pratica o crime, tanto mais forte e eficaz quanto mais forte o criminoso. Fica impossível de entender, porém, sua oposição feroz a qualquer mudança nessas leis. Mudanças de emergência, então, ou discutidas num regime de urgência, como seria indispensável neste momento, nem pensar. Aí os circuitos regulares do pensamento e da ação deixam de funcionar.
É um sintoma exemplar desse deslizamento rumo à demência a defesa cada vez mais agressiva dos criminosos pela maior parte daquilo que se considera no Brasil o “campo progressista”. Não lhes passa pela cabeça, nunca, que há nessa guerra uma população inocente, oprimida o tempo todo pelo inimigo e necessitada urgentemente de proteção. Seu interesse se concentra em opor-se à intervenção, falar mal dos militares e imaginar esquemas de defesa para a bandidagem — tais como as propostas de “diálogo” com o tráfico, desarmamento da polícia, legalização da droga, exigência de que os agentes do Estado esperem os criminosos atirar contra eles antes de usar as próprias armas, e por aí vai. Estão apagando todas as luzes.
J.R.Guzzo
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