Autor: Alexandre Schwartsman
Publicado na Folha/Blog Instituto Millenium
É chato, eu sei, e já me desculpo aos 18 leitores por voltar ao tema, mas, como o governo insiste em repetir os mesmos erros, tenho que comentá-los. Em nome dos 18, aproveito para deixar meu apelo por erros novos, por favor.
Feito o pedido, ao trabalho. Soubemos na semana passada, mesmo antes da divulgação oficial dos números de dezembro, que naquele mês o governo lançou mão não de uma, mas de várias manobras contábeis para garantir, formalmente, o cumprimento da meta fiscal, cerca de R$ 140 bilhões (3,1% do PIB), definida pelo próprio Executivo.
Pelo que foi noticiado, a Caixa Econômica Federal e o BNDES anteciparam dividendos para o Tesouro, num valor próximo de R$ 7 bilhões (devidamente financiados… pelo Tesouro!).
Além disso, o governo teria sacado também cerca de R$ 12 bilhões do Fundo Soberano (parte em ações da Petrobras, vendidas… ao BNDES!).
Caso o raro leitor tenha ficado confuso, não se apoquente: isso foi feito para confundir (não para explicar) e, no final das contas, não faz a menor diferença, pois são todas transações entre os diversos bolsos de um mesmo governo, com o intuito de obscurecer o óbvio, a saber, que, apesar das promessas, o governo ficou muito longe da meta.
Não sei a quem o governo quer enganar; qualquer analista experiente consegue identificar a macumba fiscal
Há duas ordens de consequências. A mais óbvia é que, apesar da Operação Chacrinha, não há como fugir do fato de que a política fiscal foi bem mais expansionista do que normalmente presumido, em particular pelo Banco Central, que, ainda em dezembro, baseava suas projeções na suposição de que o superavit primário atingiria “em torno de 3,1% do PIB”.
Talvez ainda haja alguém no governo que vá defender essa posição como uma estratégia anticíclica, isto é, uma política mais expansiva em anos de baixo crescimento, a ser compensada por uma política mais restritiva em anos de crescimento mais forte.
Exceto, é claro, que tal compensação nunca ocorre, senão como explicar o crescimento persistente das despesas federais, de 14% do PIB em 1997 para mais de 18% do PIB ano passado?
No curto prazo, isso significa inflação mais alta, ainda mais dado o descaso do Banco Central. Não é por acidente, portanto, que a inflação permaneça teimosamente há três anos acima da meta e deva continuar assim até onde a vista alcança.
A médio e longo prazo, porém, além da questão inflacionária, também o crescimento é afetado. O gasto adicional não foi direcionado ao investimento, que continua insuficiente, mas à despesa corrente.
Além de tal gasto tipicamente não se traduzir em elevação do potencial de crescimento do país, ele sofre o inconveniente de ser praticamente impossível de ser reduzido, sugerindo que, para fazer espaço no Orçamento dos próximos anos, o investimento federal se tornará ainda mais escasso.
Por fim, a contrapartida do gasto mais alto são tributos mais pesados, cujo impacto sobre o crescimento não é apenas óbvio mas principalmente negativo.
Já a segunda ordem de consequências é mais sutil, embora não menos importante. Ao longo dos últimos anos, o governo tem abusado de manobras contábeis como as empregadas no fim do ano passado, de dividendos extraordinários de empresas estatais à aquisição das reservas de petróleo pela Petrobras (em troca de ações, não de dinheiro), passando pelas operações com o BNDES e outras feitiçarias.
Não sei, sinceramente, a quem o governo quer enganar. Talvez a si próprio, pois qualquer analista com um tanto de experiência consegue identificar a macumba fiscal, ainda que alguns, talvez por dever de ofício, omitam-se valentemente da tarefa de denunciá-la.De qualquer forma, isso só serve para acrescer à perda de credibilidade das instituições. Não bastasse o Banco Central fazer letra morta do regime de metas para a inflação, temos agora o Tesouro cuidadosamente rasgando a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Estamos, é verdade, ainda longe do ponto em que isso se tornará um problema patológico, mas já na estrada que leva para lá.
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