Quando a gente vê certas comédias encenadas em Brasília fica pensando por que é que a plateia não reage pelo menos fechando a cara e fazendo boca de nojo. Repare no roteiro que vai abaixo, preste atenção nas explicações de José Sarney e tire suas próprias confusões:
- Cena um: o Congresso Constituinte enfia dentro da Constituição de 1988 uma invenção chamada FPE, Fundo de Participação dos Estados. Coisa destinada a obrigar a União a repartir com os governos estaduais uma parte dos tributos que arrecada. Dali a um ano, anotou-se no texto constitucional, o Legislativo aprovaria uma lei definindo as regras de funcionamento do fundo.
- Cena dois: em 1989, como previsto, deputados e senadores aprovam a Lei Complementar 62. A peça resultou de um consenso precário. Ficou decidido que 85% das verbas do FPE iriam para os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste; 15% para os Estados do Sul e do Sudeste. Os percentuais valeriam por dois anos. Em 1990, haveria um censo do IBGE. E o Congresso, munido dos resultados, olharia para o retrato sócio-econômico do país e aprovaria em 1991 novas regras para o rateio do FPE. Vigorariam a partir de 1992.
- Cena três: provocado por ações movidas pelos governos de quatro Estados (RS, GO, MT e MS), o STF decretou a inconstitucionalidade das regras usadas na divisão das verbas do FPE. Por quê? Decorridos 18 anos, o Congresso abstivera-se de votar, em 1991, a lei que atualizaria os critérios da partilha. Para evitar que o caos se instalasse na tesouraria dos Estados, o Supremo deu dois anos para que o Congresso corrigisse a omissão.
- Cena quatro: o prazo concedido pelo STF venceu em 31 de dezembro de 2012. E o Congresso não foi capaz de colocar as novas regras em pé. Nesta segunda-feira (21), os governadores Antonio Anastasia (MG), Eduardo Campos (PE), Jaques Wagner (BA) e Roseana Sarney (MA) protocolaram nova ação no STF. Uma ‘ação direta de inconstitucionalidade por omissão’. Pedem que o Supremo fixe novo prazo para que o Congresso cumpra sua obrigação e mantenha os repasses da União para os Estados até que a resolução da encrenca.
- Cena cinco: de plantão no Supremo, o ministro Ricardo Lewandowski enviou nesta terça (22) um ofício a José Sarney, presidente do Congresso. Pediu explicações sobre a omissão do Legislativo. Deu cinco dias para a elaboração da resposta.
- Cena seis: com a velocidade de um raio, Sarney respondeu em poucas horas. Antes que encerrasse o expediente da terça, mandou entregar no Supremo um texto preparado pela Advocacia-Geral do Senado. Sustenta-se na peça a tese segunda a qual o Congresso não se omitiu.
Como assim? Os congressistas produziram 19 propostas sobre o tema: dez tramitam no Senado; 19 recheiam os escaninhos da Câmara. Hã, hã… E daí? Faltou tempo para converter projetos em lei. Heim?!? Desde que foi instado pelo STF a agir, o Congresso atravessou dois recessos brancos: um em 2010, ano de sucessão presidencial; outro em 2012, ano de eleições municipais.
Noves fora a escassez de tempo, o tema revelou-se demasiado delicado. “A matéria legislativa não é apenas complexa, mas politicamente sensível, revelando um verdadeiro embate entre os Estados, o Distrito Federal e os municípios”, anota o documento enviado por Sarney a Lewandowski.
A pseudo-explicação do presidente do Congresso envergonha e ofende. É vergonhosa porque reconhece a incompetência do Legislativo, incapaz de desatar um nó que ele próprio amarrou. Depois de rodar como parafuso espanado em torno do FPE por duas décadas, um Congresso espremido pelo Supremo informa que não teve tempo para trabalhar.
A resposta é ofensiva porque faz a plateia de boba. O contribuinte observa a sequência de cenas e acha inacreditável que parlamentares pagos a peso de ouro, com direito a 14o e 15osalários, tratados como faraós –com casa, carro, gasolina, telefone, avião e todas as mordomias que o dinheiro público pode pagar—, não consigam votar uma lei em 20 anos e não tenham a menor dor de consciência.
Se o Brasil fosse um país lógico, essa gente seria assaltada (ops!) por um tremendo sentimento de culpa se não pintasse pelo menos duas ou três capelas Sistinas a cada 15 dias. Em vez disso, Suas Excelências tornaram-se operários de uma linha de montagem de medidas provisórias. Por vezes, conseguem piorar o que chega ruim do Planalto.
Josias de Souza - Blog UOL
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