segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Ferreira Gullar

Em 1979 quando fui trabalhar na administração central da Caraíba Metais no Rio de Janeiro, morei num pequeno hotel no Arpoador até encontrar apartamento. Então me mudei pro Lido, pra quem não sabe um pedacinho de boa vida entre o Leme e Copacabana, pertinho um tantinho assim do Copacabana Palace. Meu prédio ficava exatamente na esquina da Av. Nossa Senhora de Copacabana com a Rua Ronald de Carvalho, ou seja, entre as ruas Duvivier e Belfort Roxo e de frente pra Escola Municipal Roma. 
Seguindo da portaria do prédio em direção ao mar a distânca é de uma quadra. Pra ser exato, depois que meus pés tocavam a calçada da Av. Nossa Senhora de Copacabana, cruzando-a, eu seguia pela Ronald de Carvalho até a Av. Atlântica, atravessava até chegar ao calçadão da orla (exatamente no Posto 2) e tocava a areia da praia; a distância percorrida marcava 200 metros. Isso que descrevi fica em frente à Praça do Lido. 
Um pouco mais pra esquerda, bem diante do Copacabana Palace, os funcionários da Embratel mantinham uma rede de volei de praia. Era ali que eu e meu colega de trabalho, Reinaldo (ele tinha trabalhado na estatal de telefonia), passavamos os dias de sábado e domingo. Depois ao cair da tarde seguiamos em bando pra beber chopp e "almojantar" sopa de siri no La Violetera do Joá. Mas isso é uma outra história.

Diariamente, eu seguia até a esquina da Nossa Senhora de Copacabana com a Belfort Roxo e tomava meu café da manhã no BOB's. Existe até hoje, era um "breakfast" completo, onde também era me dado conhecimento as principais notícias, através de O Globo, que folheava enquanto comia. 
Depois saia pra pegar o "frescão" que me levaria ao centro da cidade, onde trabalhava na Av. Rio Branco. Em frente a Escola Roma ficava o ponto do ônibus com ar condicionado, o metro era uma promessa que terminava em Botafogo. Era sempre o mesmo ônibus, no mesmo horário, com as mesmas pessoas e o mesmo motorista. Parecia até que todo mundo tinha lugar marcado. Entre os passageiros um senhor de fisionomia um tanto exótica, longos cabelos brancos e pele muito bronzeada. Sua boca era incomum, parecia estar pintada, de tão forte que era o tom avermelhado. Eu era seu companheiro de assento, ele na janela e eu no corredor. Não lembro a fileira, mas era do meio pra frente, a terceira ou quarta. Socialista entusiasmado, inteligente e com amplo conhecimento geral, tudo que eu tinha acabado de ler no O Globo,  ele já sabia, comentava, dava sua opinião, externava sua crítica... 
De segunda a sexta-feira, eram os vinte minutos mais deslumbrantes que eu absorvia como quem respira. O nome dele? José Ribamar Ferreira, o maranhense de pesudônimo Ferreira Goulart
Naquela época eu tinha 24 anos. Atualmente ele é um senhor ainda mais sábio, ele completou 82 anos no último 10 de Setembro. Não é mais socialista! Seu artigo no Folha de S.Paulo de ontem diz tudo:


Quando o escândalo do mensalão abalou a vida política do país e, particularmente, o governo Lula e seu partido, alguns dos petistas mais ingênuos choraram em plena Câmara dos Deputados, desapontados com o que era, para eles, uma traição. Lula, assustado, declarou que havia sido traído, mas logo acertou, com seus comparsas, um modo de safar-se do desastre.
Escolheram o pobre do Delúbio Soares para assumir sozinho a culpa da falcatrua. Para convencê-lo, creio eu, asseguraram-lhe que nada lhe aconteceria, porque o Supremo estava nas mãos deles. Delúbio acreditou nisso a tal ponto que chegou a dizer, na ocasião, que o mensalão em breve se tornaria piada de salão.
Certo disso, assumiu a responsabilidade por toda a tramoia, que envolveu muitos milhões de reais na compra de deputados dos partidos que constituíam a base parlamentar do governo.
Embora fosse ele apenas um tesoureiro, afirmou que sozinho articulara os empréstimos fajutos, numa operação que envolvia do Banco do Brasil (Visanet), o Banco Rural e o Banco de Minas Gerais, e sem nada dizer a ninguém: não disse a Lula, com que privava nos churrascos dominicais, não disse a Genoino, presidente do PT, nem a José Dirceu, o ministro político do governo.
Era ele, como se vê, um tesoureiro e tanto, como jamais houve igual. Claro, tudo mentira, mas estava convencido da impunidade. A esta altura, condenado pelo STF, deve maldizer a esperteza de seus comparsas. Mas os comparsas, por sua vez, devem amaldiçoar o único que, pelo menos até agora, escapou ileso do desastre --o Lula.
Pois bem, como o tiro saiu pela culatra e o partido da ética na política consagrou-se como um exemplo de corrupção, Lula e sua turma já começaram a inventar uma versão que, se não os limpará de todo, pelo menos vai lhes permitir continuar mentindo com arrogância. O truque é velho, mas é o único que resta em situações semelhantes: posar de vítima.
E se o cara se faz de vítima, tem o direito de se indignar, já que foi injustiçado. Por isso mesmo, vimos José Genoino vir a público denunciar a punição que sofreu, muito embora tenha sido condenado por nove dos dez ministros do STF, quase por unanimidade.
A única hipótese seria, neste caso, que se trata de um complô dos ministros contra os petistas. Mas mesmo essa não se sustenta, uma vez que dos dez membros do Supremo, oito foram nomeados por Lula e Dilma.
Reação como a de Genoino era de se esperar, mesmo porque, alguns dias antes, a direção do PT publicara aquele lamentável manifesto em que afirmava ser o processo do mensalão um golpe semelhante aos que derrubaram Getúlio Vargas e João Goulart. Também a nota posterior à condenação de José Dirceu repete a mesma versão, segundo a qual os mensaleiros estão sendo condenados porque lutam por um Brasil mais justo. O STF, como se sabe, é contra isso.
Não por acaso, Lula --que reside num apartamento duplex de cobertura e veste ternos Armani-- voltou a usar o mesmo vocabulário dos velhos tempos: "A burguesia não pode voltar ao poder". Sim, não pode, porque agora quem nos governa é a classe operária, aquela que já chegou ao paraíso.
Não tenho nenhum prazer em assistir a esse espetáculo degradante, quando políticos de prestígio popular, que durante algum tempo encarnaram a defesa da democracia e da justiça social em nosso país, são condenados por graves atentados à ética e aos interesses da nação. As condenações ocorreram porque não havia como o STF furtar-se às evidências: dinheiro público foi entregue ao PT, mediante empréstimos fictícios, que tornaram possível a compra de deputados para votarem com o governo. Tudo conforme a ética petista, antiburguesa.
Mas não tenhamos ilusões. Apesar de todo esse escândalo, apesar das condenações pela mais alta corte de Justiça, o PT cresceu nas últimas eleições. Tem agora mais prefeituras do que antes e talvez ganhe a de São Paulo. Nisso certamente influiu sua capacidade de mascarar a verdade, mas não só. Com a mesma falta de escrúpulos, tendo o poder nas mãos, manipula igualmente as carências dos mais necessitados e dos ressentidos.
Não vai ser fácil acharmos o rumo certo.

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