sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Carta Aberta ao Presidente do Senado

Caríssimo senador,
O senhor não me conhece. Permita que me apresente. Moro onde olho nenhum me alcança, no ermo das entranhas. Sou ferida exposta que não se vê. Sou espaço baldio entre o esôfago e o duodeno.
Trago das origens uma certa vocação para a tragédia. Não deve ser por outra razão que venho do grego: ‘stómachos’.
Se pudesse dar entrevista, resumiria assim o oco de minha existência: ‘É dura a vida de víscera.’
Às vezes, presidente, invejo o coração que, quando sofre, é de amor. Eu jamais tive tempo para sentimentos abstratos. Perdoe-me o pragmatismo estomacal. Mas só tenho apreço pelo concreto: o feijão, o arroz, a carne…
Meu projeto de vida sempre foi arranjar comida. 
Danço no ritmo da emergência.
Meu mundo cabe no intervalo entre uma refeição e outra. Meu relógio, caprichoso, só tem tempo para certas horas: a hora do café, a hora do almoço, a hora do jantar… Eu entendo o seu drama, senador.
Sem comida, meu relógio ficou louco. Passou a anunciar a chegada de cada novo segundo aos gritos. 
Nunca tive grandes ambições. Não quero glória. Tampouco desejo um mandato de senador. Sonho com a solidariedade de uma cesta básica, a compaixão de um grão escorregando faringe abaixo.
Ardem-me as paredes, bombardeadas por jatos de suco gástrico. Mas já não sofro, senador. Sem alimento, encontrei a paz na melancolia da fome. A privação levou-me à ante-sala de outra esfera.
 Consola-me, senador, a certeza de que sua rotina alimentar logo estará normalizada. Quanto a mim…
Temente a Deus, sei que Ele há de acomodar no meu céu uma cozinha como a da residência oficial da presidência do Senado, tão farta que me propicie uma fome de senador, dessas que a gente resolve simplesmente abrindo a geladeira.
Força, Excelência!

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