segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O feminismo brasileiro tem que ser diferente

Betty Milan:

As puritanas americanas censuram as libertinas francesas por terem dito que os homens têm o direito de importunar as mulheres.

Como sempre, fui ao dicionário e procurei o sentido do verbo importunar. O dicionário dá tanto ênfase à ideia de 'incomodar' quanto de 'insistir'.

As francesas, que adoram uma corte, defendem o direito dos homens insistirem no seu desejo - e elas estão certas. O amor cortês não existiria se os amantes não insistissem nele junto às suas amadas. A insistência nada tem a ver com o assédio, que implica em violência, porque faz pouco da recusa de quem é assediado.

Agora, o alarde que as americanas estão fazendo serve para barrar a violência sexual. Isto é no mínimo tão importante quanto sustentar a liberdade de expressar o desejo. Tanto umas quanto outras estão certas e estarão erradas sempre que fizerem generalizações sobre o assunto.

Sobretudo porque o importuno tem um sentido diferente em função da cultura. No Brasil, por exemplo, onde não existe a tradição da corte, ele tende a ser sinônimo de assédio. Cada cultura precisa se debruçar sobre a maneira como o assédio se dá a fim de evitar que ele aconteça. No Brasil, o que mais importa é ensinar o controle da sexualidade, porque o descontrole impera.

O feminismo brasileiro só não andará a reboque do americano e do francês se elaborar uma política própria em função da situação concreta das mulheres nos diferentes estados, a fim de educar os dois sexos e desqualificar o machismo - uma ética infeliz e assassina, como evidencia a 'Tragédia Brasileira' de Manuel Bandeira.

O funcionário Misael conhece a prostituta Maria Elvira. Tira-a da vida, instala e trata dela. Só que ela arranja namorado. Para evitar um escândalo, Misael muda de bairro. Muda dezessete vezes, até que um dia mata a mulher a tiros. Misael, indubitavelmente, fez de tudo para escapar ao imperativo machista, mas não teve como, e Maria Elvira pagou o preço máximo, foi assassinada.

Como Maria Elvira, 12 mulheres brasileiras são assassinadas por dia e 135 são estupradas, segundo reportagem da Folha de S.Paulo de novembro de 2016. Saber aonde, por que e como isso aconteceu é o que deve nos interessar. Do contrário, não é possível tomar as providências necessárias. A exemplo disso, a melhoria da rede de atendimento para as mulheres agredidas – como sugere Olaya Hayashiro, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ou a formação dos policiais que se ocupam delas - como sugere Samira Bueno, diretora–executiva do Fórum. Para dar uma ideia do despreparo existente, Samira conta que uma mulher foi assassinada pelo marido dentro da viatura policial.

Tais providências são mais do que urgentes, mas não suficientes. A situação só muda verdadeiramente se a população for reeducada. Isso implica dar ouvido às mulheres agredidas e aos agressores para saber que fantasias estão na origem dos atos hediondos diariamente praticados aqui. Direta ou indiretamente, todos nós já estivemos expostos a ele e a luta obviamente se impõe.

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