sábado, 2 de fevereiro de 2013

O Prisioneiro do Exorbitante


As pessoas ficam aí falando mal do Renan Calheiros, mas na verdade ele merece pena. É uma sina desgraçada a dele. Está certo, tem poder. Tem muito poder. Tem poder demais. E essa é uma das suas misérias. Porque, para os padrões que se auto-impôs, se Renan não tiver poder demais será um fracasso. Outros políticos se satisfazem com um poder exagerado. Mas Renan precisa do poder exorbitante. É um prisioneiro do exorbitante. E nem assim desperta qualquer simpatia na opinião pública e na imprensa, insensíveis ao seu drama.
Renan não pode viver normalmente. Não tem o luxo da normalidade. É como aquelas pessoas com uma doença rara que são obrigadas a permanecer dentro de bolhas à prova do oxigênio disponível no ambiente natural. Durante anos, Renan teve um suprimento regular e generoso de sua substância vital: a exorbitância. Prosperou. Agora, denunciado no STF pela Procuradoria, depende demais da ajuda dos amigos. Amigos da oposição, do governismo e do Planalto. Necessita de uma bolha protetora oficial o pobre.
Sob Collor, Renan foi empurrado para dentro da liderança do governo. Sob FHC, Renan foi mandado para o interior do gabinete de ministro da Justiça. Sob Lula e Dilma, Renan teve o apoio necessário para internar-se na presidência do Senado. Melhor assim. A normalidade asfixiaria Renan. Ainda bem que os amigos não o deixam entregue aos estragos da atmosfera normal.
É injusto criticar os protetores de Renan. Estão fazendo um trabalho humanitário, assistindo um político notoriamente despreparado para lidar com a realidade. É preciso dar tudo o que Renan pede. Em 2007, ousaram contrariá-lo. Para não cassar-lhe o mandato, obrigaram-no a renunciar à presidência do Senado. Tiraram Renan da bolha. E ele passou a ter um poder fabuloso. Quem não está na pele de Renan não pode entender o que é ter um poder apenas fabuloso depois de anos de exorbitância.
Por sorte, 56 senadores compreenderam o drama de Renan e votaram a favor de sua reinternação na bolha. O diabo é que ele mal voltou e a turma do contra já ameaça arrastá-lo até o Conselho de Ética do Senado. Querem reabrir, veja você, aquele caso em que se misturam o lobista, a ex-amante e as cabeças de gado. Tudo isso só porque a Procuradoria da República denunciou a encrenca no STF.
Ao farejar o cheiro de queimado, Romero Jucá, o amigo dos amigos, apressou-se em informar aos insensíveis: “Vamos arquivar. Não adianta ficar remoendo o passado. Isso é matéria vencida e discutida no Senado.” Jucá foi ao ponto: as urnas de 2010 já absolveram Renan, reelegendo-o. Além disso, vamos e venhamos: “Renan não pode ser presidente condenado. Mas investigado não tem problema”, afirmou Jucá. Torça-se para que Renan tenha amigos no Supremo. Já basta a humilhação de ser prisioneiro do exorbitante.


Josias de Souza
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na "Folha de S.Paulo" (foi repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista).

É coautor do livro “A História Real” (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de “Os Papéis Secretos do Exército”.

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