segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Sobre o texto de José Padilha

O diretor de Tropa de Elite, Robocop e Narcos publicou um texto politicamente confuso hoje sobre a degradação do país e pregando a “desobediência civil”.
Como política não é exatamente a praia dele, é preciso fazer alguns esclarecimentos, especialmente porque está sendo bastante compartilhado por aí.
1) Padilha começa o texto dizendo que o Brasil teve uma “ditadura de direita”, uma referência que só serve como pagamento de pedágio ideológico para seus amigos de esquerda, já que ajuda pouco a entender o período de 1964 a 1985. Não há dúvidas que o país estava entregue ao caos em 1964 e, naquele momento histórico e naquelas circunstâncias, é perfeitamente possível se fazer a defesa da intervenção das Forças Armadas para reestabelecer a ordem. Já a manutenção dos militares no poder por 21 anos, não há como qualquer bípede justificar. Havia eleições presidenciais no país a cada cinco anos desde 1945 e se tivesse havido uma eleição direta e democrática em 1965, nem estaríamos falando disso agora. A duração do regime por duas décadas foi, evidentemente, um erro histórico imperdoável.
O mais importante é que o regime, de matriz positivista, nacionalista e tecnocrática, multiplicou por dez o número de estatais do país, gastou bilhões em obras de infraestrutura questionáveis e fez todo tipo de intervenção heterodoxa na economia. Não bastasse isso, a cultura, o ensino, o jornalismo e as artes foram entregues à esquerda, dentro de um raciocínio beócio e estúpido de que “não somos de esquerda nem de direita, somos técnicos acima das ideologias”, uma estultice ainda presente nas cabeças até de alguns que se dizem liberais mas, mesmo sem saber, bebem nas mesmas fontes fétidas de Augusto Comte.
Nas palavras de Olavo de Carvalho, “o progresso econômico dos anos 70-80 espalhou universidades por toda parte e multiplicou ilimitadamente o “proletariado intelectual”, como o chamava Otto Maria Carpeaux, a massa de estudantes semi-instruídos aos quais, ao mesmo tempo, o governo sonegava toda formação política conservadora, deixando-os à mercê dos professores esquerdistas que já naquela época monopolizavam as cátedras universitárias. A crença no poder mágico do crescimento econômico e a completa ignorância do fator cultural (que àquela altura os próprios comunistas já haviam compreendido ser o mais decisivo) selaram o destino do regime.” Nada a acrescentar.
O Brasil não teve um regime “de direita” no sentido liberal clássico, anti-estatista, anti-intervencionista, muito pelo contrário. Não houve nada que se pareça com o que foi o governo de Ronald Reagan ou de Margareth Thatcher, por exemplo, na mesma década que aqui é conhecida como “perdida”. “Ditadura de direita”, caro Padilha, é a mãe.
2) Ao perceber o tamanho do problema do país hoje, Padilha poderia optar por defender o desmonte do Leviatã estatal, mas ele opta pelo niilismo adolescente da “desobediência civil” e cita o misantropo Henry David Thoreau como referência. Ele poderia fazer um mea culpa, entender que as idéias estatizantes e esquerdistas que embalaram sua vida intelectual servem para perpetuar o problema que ele denuncia, mas em vez de um sincero arrependimento seguido de um amadurecimento ideológico em busca de uma sociedade mais moral e livre, em que as instituições são mero reflexo, ele prefere a reação birrenta de dizer que cansou de brincar de democracia e que se as idéias de esquerda não servem então nenhuma serve e vamos todos tocar fogo no mundo para ver o que dá.
Sou contra toda e qualquer “desobediência civil”? É óbvio que não, mas de que adianta fomentar este tipo de confrontação numa população que sequer possui um projeto de nação, um norte político e moral, um rumo para onde seguir, uma idéia do que colocar no lugar do que temos hoje? Não tenho qualquer fetiche pela mudança per si, é sempre possível mudar para pior. E é por isso que escrevi há poucos dias que há um vazio de poder e liderança no país, uma situação que não durará muito tempo, e que será resolvida para o bem ou para o mal. Quem, neste ponto, pode garantir que a mudança de regime hoje será para melhor?
3) Sobre o período lulo-petista, que ele cuidadosamente só se refere como “história recente do Brasil” mas sem dar nomes, Padilha aponta o dedo para o capitalismo "de compadrio”, de “laços" ou de “quadrilha”, a relação promíscua entre governo e empresários que participam de uma seleta casta de privilegiados que recebem benesses bilionárias do estado em troca de propinas. Não passa pela cabeça de Padilha que é exatamente o sistema intervencionista atual do país, o mesmo que faz com que praticamente toda a economia passe direta ou indiretamente pela ingerência do governo, que cria todo tipo de incentivo para que empresários quadrilheiros comprem vantagens no mercado paralelo da corrupção? Se o estado não tiver vantagens para vender, não há o mercado, é tão difícil de entender isso? Se o país não tiver banco público dando empréstimos subsidiados e muitíssimo abaixo do preço de mercado, não há o mercado de subornos para se conseguir estes empréstimos. Tão simples quanto isso.
Em vez de bater pezinho e dizer “ai ai ai, não vou pagar mais IPVA” (morando na Califórnia fica um pouco mais fácil, diga-se), que tal usar seu poder de influência, seu espaço na imprensa, sua força na indústria cultural, para atacar a verdadeira raiz do problema? Padilha me parece um brasileiro bem intencionado e sua indignação é legítima, mas não adianta dar o diagnóstico (que é o mesmo que todos nós temos) sem ter a menor idéia do tratamento necessário para curar a doença.
Temos um país hoje com escolas e universidades “ocupadas”, uma forma de “desobediência civil” que nasce do mesmo niilismo de esquerdista arrependido que inspira artigos como este. Alguém em sã consciência pode argumentar que estas “ocupações” fazem algo remotamente positivo para a educação brasileira? Por acaso alguém imagina que dos escombros de uma escola depredada ou invadida nascerá o Nobel que o Brasil nunca conquistou? Ah, faça-me o favor!
Não há praticamente nada no sistema político e econômico do Brasil que valha a pena “conservar”, o que torna o termo “conservador” hoje no Brasil praticamente uma contradição, já que é entre os “conservadores” hoje que se vê mais sede por mudança real, especialmente na implosão do monstro estatal que vampiriza o país há décadas. Meu “conservadorismo”, que vem de Burke, Tocqueville, Kirk, entre outros, não se parece em nada com a república sindicalista e intervencionista que Vargas criou e o lulo-petismo levou até o limite, deixando como legado a maior crise da história.
O Brasil precisa voltar a discutir abertamente seu passado e seu futuro, precisa tirar aos pontapés os ideólogos de sempre que comandam a indústria cultural e abrir novamente sua mente e sua alma para as idéias que comprovadamente deram certo no mundo.
O salto da crença irracional para o niilismo é apenas uma prova de que ainda é preciso muita leitura, reflexão e crescimento moral, intelectual e espiritual. Ou vamos "saltar da barbárie à decadência sem passar pela civilização"?
O otimismo utópico não pode ser substituído pelo pessimismo irresponsável, pelo ceticismo cego e paralisante, pelo quanto pior, melhor. É deste tipo de sentimento que se alimentam os recrutadores de black blocs, tudo que o Brasil não precisa agora ou na eleição de 2018.
- Desobediência civil - Jornal O Globo http://glo.bo/2hAnpFn
- Positivismo inconsciente (Olavo de Carvalho) http://bit.ly/2hcRAFV
By Alexandre Borges

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