Entre 1972 e 1974, no Washington Post, os jornalistas Carl Bernstein e Bob Woodward escreveram uma série de reportagens que culminou com a renúncia do presidente americano Richard Nixon.
O assunto parecia tão surreal (arrombamento dos escritórios do Partido Democrata no Edifício Watergate, pelos partidários de Nixon); que até mesmo a proprietária do jornal (Katharina Graham) estava cética e teria questionado, na época, o editor do Post, Ben Bradlee: "Se esta história é tão boa, cadê o resto da imprensa".
O arrombamento, ocorrido dia 16 de junho de 1972, estava sendo tratado pela polícia e pela imprensa como um caso sem muita importância, pelo menos do ponto de vista político. Foi a persistência dos repórteres do Washington Post que trouxe a tona todo o envolvimento da Casa Branca no episódio. Quem quiser saber mais sobre este assunto, leia o livro "Todos os homens do Presidente", ou se for muito impaciente, assista o filme do mesmo nome. Neste último, Dustin Hoffman é Carl e Robert Redford é Bob; dirigidos por Alan Pakula.
Mas o que me traz à lembrança este assunto, agora?
Carl Bernstein está no Brasil e declarou (em tom de reclamação), no auditório da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, que a principal função da imprensa - a de obter a "melhor versão possível da verdade" - foi deixada de lado.
"A predominância de uma cultura jornalística global que tem cada vez menos a ver com a verdade, a realidade e o contexto. Crescentemente, o retrato de nossa sociedade, produzido por esta mídia, é enganador. É um retrato sem conexão com o contexto real de nossas vidas; um retrato desfigurado pelo culto à celebridade, pela fofoca, pelo sensacionalismo, pela negação das reais condições de nossa sociedade, pela controvérsia fabricada – especialmente, na TV, mas também na imprensa escrita. Uma das grandes perguntas do Século XXI é se nós, no chamado mundo civilizado, podemos restaurar a nossa missão: a de obter a melhor versão possível da verdade".
Caramba! Eu não sou assim nem parecido com o Carl em termos de oratória; além dos meus cabelos brancos e da barriga clamando por uma dieta urgente. Mas, tenho dito aqui (e já dizia no Qu4tro) que a imprensa de hoje entregou-se as delícias do controle estatal, lambuzando-se nas receitas da mídia governamental. Apesar dos "frias" e dos "marinhos" viverem jurando que isso nunca aconteceu ou aconteerá. Pois sim!
O exemplo mais recente foi o quase completo "esquecimento de noticiar", por parte da grande mídia, que o governo brasileiro resolveu (sabe-se lá por que?), agraciar dona Marisa Letícia Lula da Silva com a medalha do Mérito de Rio Branco. Os detalhes estão num post de Abril deste ano.
Por outro lado, o culto à celebridade é tamanho, que aquelas pessoas com mais "massa muscular" ou "saliências eróticas" do que "massa cinzenta", que frequentaram nossas noites televisivas num tal BBB; são assunto dioturnamente nos jornais, revistas e TVs; inclusive concorrentes da emissora que transmite o programa. Numa enquete rápida na academia onde me esforço para perder peso, ninguém sabia quem é Guido Mantega; mas todos, sem exceção, sabiam quem é Cacau do último BBB. Sem exageros!
O mensalão do PT está praticamente enterrado e esquecido. O do DEM de Brasília segue o mesmo caminho. A mídia só não esquece de noticiar que o Alemão (BBB 9) foi visto com a fulana comendo pizza; que a atriz Beltrana terminou o casamento com o jogador de futebol e que um outro jogador foi visto na "comunidade" num dia de folga, dançando funk ou bebendo cerveja.
Enquanto isso, os "watergates" proliferam e nem são notícia!
Em tempo: Carl Bernstein participou de um seminário que discutiu as ameaças ao livre funcionanento da imprensa – especialmente na Venezuela, Argentina e Equador. O presidente da Globovision (Venezuela) não conseguiu visto para sair do país: terminou enviando um vídeo que foi exibido para a plateia. O "presidente" Hugo Chavez, como se sabe, declarou guerra ao grupo jornalístico.
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